Herbert Anjos | Em Defesa da Segunda Abolição no Brasil

Imagem: Comunicação da Intersindical
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Tive a honra de representar a Intersindical – Central da Classe Trabalhadora na audiência pública sobre Trabalho Escravo, conduzida pelo Senador Paulo Paim (PT/RS), na última terça-feira (02/02). Além da presença de parlamentares, de representantes dos poderes públicos responsáveis por coibir o trabalho escravo, de lideranças da sociedade civil organizada e de sindicalistas, a audiência foi prestigiada pelo ativista indiano Kailash Satyarthi, prêmio Nobel da Paz em 2014, responsável pela libertação de milhares de crianças vítimas de trabalho infantil na Índia.

Infelizmente, devido a um pequeno equivoco da organização do evento, não pude compor a mesa de apresentação. Nem expressar a visão da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora sobre o tema. Paciência: minha participação ficará para uma próxima vez. Enquanto esse novo momento não chega, utilizo esse pequeno artigo para expressar algumas impressões sobre a audiência. E sobre o atual panorama da luta contra o trabalho escravo no Brasil.

Em uma legislatura conservadora – a mais reacionária desde o Golpe Civil-Militar de 1964 – como a que se iniciou ano passado, os direitos sociais e trabalhistas estão em constante ameaça de retrocesso.E neste início de 2016,a perspectiva permanece pouco positiva para a classe trabalhadora. Para ficar em poucos exemplos, teremos em pauta o PLC 30/2015 que levará a discussão da terceirização ao Senado, a PEC 171/2003 que retomará a discussão da redução da maioridade penal e o PLS 555/2015 chamado pelo movimento sindical e popular de privatização das estatais e até uma possível contrarreforma da previdência, ainda no primeiro semestre, bancada pelo Governo Dilma e por seu novo ministro da fazenda, Nelson Barbosa. Como podemos notar, o ano não será fácil e a mobilização com certeza não será pequena.

Há retrocessos também no âmbito do combate ao trabalho escravo. O PLS 432/2015, fortemente apoiado pela bancada ruralista do Congresso, pretende modificar o conceito de trabalho escravo aprovado na PEC 438. Na verdade, alegando “insegurança jurídica” e/ou “imprecisão conceitual”, os ruralistas querem retirar do conceito de trabalho escravo as noções de “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho.” Ou seja, seria excluída da definição de trabalho escravo a relação de trabalho caracteriza pelo esforço laboral, repetitivo e sistemático, que impede o trabalhador se recuperar fisicamente, como é o caso de muitos boias frias que trabalham em plantações de cana de açúcar. Ou a relação de trabalho caracterizada por péssimas condições de alojamento, segurança e alimentação, como ocorre nas carvoarias no interior do Pará ou nas oficinas de costura em São Paulo.

De fato, é inaceitável que um conceito tão claro e preciso seja relativizado devido à ganancia de empresários que se utilizam de relações de trabalho vis para lucrar por meio de concorrência desleal. Para coibir a impunidade empresarial, só há uma saída: garantir, de verdade, a expropriação das propriedades rurais e urbanas onde ocorram relações de trabalho escravo e destiná-lasà reforma agrária e à construção de habitações populares.

A terceirização, que volta à discussão no senado, caminha lado a lado com o trabalho escravo. Afinal, nos últimos anos, segundo o Ministério do Trabalho, pelo menos 90% dos trabalhadores resgatados de relações de trabalho análogas à escravidão eram, também, trabalhadores terceirizados. Essa estatística evidencia como a terceirização propicia a máxima exploração do trabalho e o despotismo patronal sem limites.

Ainda mais com a significativa ausência de fiscalização das relações laborais em nosso país, pois é conhecido que o número de auditores fiscais do trabalho está aquém da demanda de inspeção do trabalho e que há a necessidade de contratação urgente. Necessidade de contratação esta que, em tempos de ajuste fiscal recessivo e de corte de orçamentos de serviços e políticas públicas fundamentais, é relegada a um plano secundário, sem prazo tangível para ser sanada.

Entre os vários representantes dos poderes públicos e setores da sociedade civil organizada presentes na audiência pública ficou firmado o compromisso de barrar, por meio de todas as formas de luta possíveis, a mudança no conceito e de impulsionar que o cumprimento da EC 81/2015 que garante a expropriação das propriedades dos escravocratas modernos.Quanto a nós, estaremos nos locais de trabalho e nas ruas combatendo o retrocesso. Afinal, como disse Kailash Satyarthi em sua apresentação “há sempre luz no fim do túnel”. No Brasil, é na chama das lutas sociais que a esperança continuará a brilhar.

*Herbert Anjos é mestre em história pela UnB, professor e militante da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora

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