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A nacionalização da truculência paulista

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O atual Ministro da Justiça é acusado de perseguir quem denuncia os abusos da polícia e decretou sigilo em vários documentos policiais.

Ministro da Justiça em plena quebra da ordem constitucional, o advogado Alexandre de Moraes conseguiu a proeza de ser o primeiro a cometer uma gafe entre os empossados pelo presidente interino – e ilegítimo – Michel Temer. Em entrevista à Folha, na última semana, afirmou que a escolha do Procurador Geral da República (PGR) não precisaria seguir, necessariamente, a decisão da lista tríplice, ou seja, o nome escolhido pela eleição interna do órgão (FSP,16.05.2016).

Com parte do Ministério investigado pela Lava Jato, Temer desautorizou o ministro, ao afirmar que seguirá a prática instituída pelos governos anteriores. Moraes, por sua vez, disse que não havia mencionado a questão no Planalto (FSP, 16.05.2016). Até nota a Associação Nacional dos Procuradores da República publicou, reiterando a boa relação entre o Ministério Público Federal (MPF) e o novo governo (FSP, 16.05.2016).

Não precisava. Como destaca Maria Inês Nassif, em artigo publicado aqui, na Carta Maior, até agora, “o Judiciário e o MPF não barraram o golpe porque são parte da conspiração”.

O episódio serviu para ilustrar o perfil do novo ministro da Justiça. Em sua passagem pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), seguiu à risca a tradição de tratar protesto como crime. Não à toa. Sua escola na administração pública foi a tucana: participou de dois governos Alckmin e da prefeitura de Gilberto Kassab, em São Paulo.

Na lista de seus clientes, como advogado, figuram tucanos, a própria Polícia Militar, uma cooperativa suspeita de ligação com o PCC e, claro, o deputado Eduardo Cunha. Não é de se estranhar, portanto, que apesar da bagagem jurídica, Alexandre de Moraes tenha optado por entrar na história como representante da Justiça durante um golpe branco. A questão é quais credenciais o fizeram ministro da Justiça neste momento.

Defesa da Polícia, acima de tudo

No último dia 10 de maio, o PGR, Rodrigo Janot, solicitou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a reabertura das investigações sobre os “crimes de maio”, o confronto entre membros do PCC e grupos de extermínio da PM, que culminaram na morte de 556 pessoas – a maioria inocentes – em São Paulo (OESP, 11.05.2016). Segundo Janot, houve “falhas e omissões gravíssimas” durante as investigações realizadas naquela época pela Polícia Civil de São Paulo e pelo MPF-SP. (OESP,10.05.2016).

Ainda no comando da SSP-SP, Moraes disse não acreditar “que o Superior Tribunal de Justiça julgue procedente esse pedido”. Segundo ele, “não foi caso de inércia, não foi caso de omissão”. Em suas palavras: “houve uma investigação da Polícia Civil do Estado de São Paulo, acompanhamento do Ministério Público de São Paulo, que, titular da ação penal, requereu o arquivamento. O Poder Judiciário de São Paulo determinou arquivamento” (OESP, 11.05.2016).

O atual Ministro da Justiça também é acusado de perseguir quem denuncia os abusos da polícia. Segundo reportagem da Carta Capital, quando seu nome foi anunciado para a pasta da Justiça, o procurador do MPF, Matheus Baraldi Magnani, encaminhou uma denúncia ao então vice-presidente Temer contra Moraes. Ele sustenta que, advogando para a PM, em 2012, o atual ministro da Justiça esteve por trás de “uma enxurrada de ações judiciais e medidas persecutórias, em nome do governo do estado, com o objetivo de constrange-lo e intimidá-lo” (CC, 06.05.2015).

Magnani teve de responder a várias representações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e na Corregedoria do MPF, a duas ações penais privadas e a quatro processos cíveis. Foi absolvido de todas as acusações. O motivo da perseguição? Tudo começou em 2012, quando Magnani denunciou, em audiência pública, graves crimes cometidos pela PM, que ocasionaram uma onda de chacinas nas periferias paulistanas. (CC, 06.05.2015).

Falhas em investigação

Em 2015, a SSP-SP contava com 93 mil policiais militares e 6 a 7 mil homens da Guarda Civil Metropolitana. Em três meses no cargo, Moraes tornava obrigatória a presença da Polícia Civil, da PM e das corregedorias em cenas de homicídios que envolvessem os agentes policiais (OESP,17.03.2015). A medida tinha um precedente: os 694 casos de homicídio cometidos por policiais em 2014.

Em contrapartida, as ações de repressão e prevenção de crimes cometidos por policiais vinham sendo esvaziadas. Reportagem da Folha, de setembro de 2015, mencionava a extinção, em 2011, da Comissão Especial de Redução da Letalidade; a redução do tempo de afastamento de policiais envolvidos em ocorrências de alto risco de seis meses para uma semana; e a interrupção de uma pesquisa criada em 2014 sobre a letalidade da PM. Em resposta, a SSP-SP colocava em dúvida os dados da Ouvidora da Polícia, garantindo o funcionamento dos programas. (FSP, 22.09.2015).

A motivação da reportagem, porém, contava outra história.

Em 13 de agosto de 2015, São Paulo adormeceu sob o terror da chacina de Osasco e Barueri. Em menos de três horas, 18 pessoas foram assassinadas por agentes policiais na Grande São Paulo (FSP,14.08.2015). O impacto fez com que Geraldo Alckmin anunciasse uma recompensa de R$ 50 mil para quem tivesse informações sobre os assassinos, com garantia de sigilo absoluto (FSP,17.08.2015).

No começo de setembro, os jornais alertaram: “Apuração de chacina em São Paulo expõe testemunhas que delataram PMs” (FSP, 02.09.2015), caia por terra a garantia de sigilo absoluto. Em resposta, Moraes dizia que às testemunhas era perguntado, antes do depoimento, se elas queriam ser identificadas ou não. (FSP, 02.09.2015).

“Nunca houve situação tão grave”, apontava a delegada Marilda Pansonato Pinheiro, denunciando o atropelo do trabalho da Polícia Civil e a “precipitação da PM” durante as investigações (FSP,24.05.2015). Meses depois, o ouvidor da polícia, Júlio Cesar Fernandes Neves, desabafou: “não dá para acreditar que não exista um grupo organizado, chamado de extermínio ou não, formado por pessoas que têm interesses em que bandidos ou supostos bandidos sejam eliminados” (FSP,15.09.2015).

Moraes optou por desqualificar a afirmação do ouvidor: “as declarações foram feitas sem nenhuma base, com todo respeito ao ouvidor. É uma declaração panfletária” (FSP, 15.09.2015).

No primeiro semestre de 2015, alertava a Folha, o número de mortes em confronto com policiais havia crescido 10% – 358 mortes – em relação a 2014, o maior aumento na década. Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública, alertava: “cada pessoa que a polícia mata numa periferia leva para o PCC mais dez sujeitos. É preciso dizer o tempo todo, claramente, que não se tolera isso” (FSP, 17.08.2015).

Em outubro, a SSP-SP publicou novos dados sobre as mortes causadas por policiais, registrando uma redução expressiva de 20% no terceiro semestre do ano, comparado com mesmo período do ano anterior. Ao comentar o dado, em reportagem intitulada “Pedalada policial”, a Folha afirmava que a redução anunciada pela SSP-SP seria digna de nota, não tivessem sido omitidas dos índices, as mortes ocasionadas por policiais militares e civis, em dias de folga. Caso da chacina de Osasco e de Barueri, por exemplo. (FSP, 24.10.2015).

Omissão dos dados

A guerra contra os números marca a gestão de Moraes na SSP-SP. A denúncia de seus métodos nos jornais e por especialistas, também. Frente à escalada de roubo de celulares, Moraes chegou a tornar obrigatória a informação do Imei (número de série do aparelho) para o registro de roubos e furtos de celular. Em entrevista à Folha, Guaracy Mingardi apontava: “sem ele [Imei], a Polícia vai dizer que não faz o registro e vai diminuir o número de casos. Vamos criar uma dificuldade e fingir que as ocorrências estão caindo” (FSP, 06.02.2015).

Em fevereiro deste ano, Moraes decretava sigilo em 22 tipos de documentos policiais, a partir de uma “Tabela de Classificação de Sigilos”. O período variava de 5 a 100 anos de sigilo, incluindo os dados sobre a distribuição de efetivo policial (15 anos) e o histórico de boletim de ocorrência (50 anos). O Tribunal de Contas do Estado se opôs à medida, destacando que o sigilo poderia prejudicar o trabalho de fiscalização de contratos do governo do Estado e das prefeituras paulistanas (OESP,17.02.2016).

A Folha denunciou a impossibilidade de acesso aos BOs que, na prática, inviabilizaria o confronto de dados estatísticos de crimes divulgados pela secretaria. Argumentava que o sigilo dos BOs não tinha sentido, porque os advogados dos suspeitos tinham acesso aos dados (FSP, 16.02.2016). Frente à pressão, Moraes e Alckmin recuaram (OESP, 18.02.2016).

Batalha Judicial

Em março deste ano, o governo Alckmin comemorou a redução de 22% dos assassinatos no Estado. Ao analisar os dados da SSP-SP, a Folha denunciou que o número de “mortes suspeitas” – causa não definida e que permaneciam fora do balanço de homicídios – havia crescido 51%. Entre 2012 e 2015, segundo a reportagem, mais de 60 mil “mortes suspeitas” ficaram fora dos balanços oficiais (FSP,04.03.2016 e 04.03.2016). O Estadão também analisou os boletins de “mortes suspeitas”, apontando 21 casos fora dos dados divulgados pela SSP-SP (OESP, 03.03.2016).

Durante a investigação dos dados, a Folha havia solicitado acesso aos registros policiais. Frente à negativa da SSP-SP, o jornal moveu uma ação na Justiça e acabou ganhando. O resultado da ação saiu no mesmo dia do lançamento dos dados da SSP-SP no Portal da Transparência. Ao analisá-los, a Folha apontava que eles estavam incompletos e de modo a impossibilitar a checagem dos balanços mensais das estatísticas criminais do Estado (FSP, 10.05.2016 e FSP, 10.05.2016).

Questão social tratada como caso de polícia

Entre 2013 e 2016, o Governo Alckmin investiu R$ 77 milhões em equipamento destinado aos policiais que atuavam em manifestações de rua, por exemplo, a compra de bombas de gás (Pragmatismo Político, 27.01). Em 2015, assim que assumiu a secretaria, Moraes se debruçou sobre o Conselho Integrado de Planejamento e Gestão Estratégica (Gipge), uma rede de inteligência que unificou os centros de informações das corporações (Militar, Civil e Corpo de Bombeiros) (OESP,22.01.2015).

Com boas condições da polícia atuar, mas sem preparo algum, o resultado foi explosivo. A violência contra os manifestantes do Movimento Passe Livre (MPL) foi um exemplo. Em 12 de janeiro, em vídeo registrado pelos manifestantes, foi possível contar, em apenas seis minutos, mais 40 explosivos jogados pela PM durante a manifestação. Dezenas de fotos, cenas de espancamentos, tentativa de criminalização dos jovens e uma série de outros abusos vieram à tona (FSP, 14.01). “Se abusos existiram, a população de São Pode pode ficar tranquila que a SSP não vai compactuar com nenhum abuso”, respondia Moraes, enquanto os abusos se repetiam à exaustão (OESP, 14.01).

Escandalizou o país a repressão contra os estudantes secundaristas que, em luta contra o fechamento das escolas, passaram a ocupar as unidades de ensino a partir do ano passado. Vídeos e imagens da violência policial somaram-se a vários questionamentos sobre os abusos da PM no Estado (confiram um desses vídeos). A denúncia da violência chegou a ser recebida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da ONU (Le Monde Diplomatique, 07.04.2016).

Neste 2016, uma novidade: o flagrante desrespeito às determinações judiciais que garantiam a continuidade das ocupações, agora, realizadas pelos estudantes das ETECs, do Centro Paula Souza. O movimento culminou na ocupação da ALESP em uma firme exigência – vitoriosa – pela instalação da CPI da Merenda na Casa Legislativa.

Em meio a isso, a condenação do Tribunal de Justiça, apontando como ilegal a entrada da Força Tática da Polícia Militar, sem mandato judicial, no Centro Paula Souza, abriu novos precedentes. Moraes tentou politizar a questão, reclamando do “número crescente de invasões por diversos motivos, especialmente políticos” (Brasileiros, 13.05.2016). Sobre os reais motivos das ocupações – a situação calamitosa da Educação em São Paulo – nenhuma palavra.

Em 6 de maio, a pedido de Moraes, a Procuradoria Geral do Estado interferiu na questão. A reintegração de posse de imóveis públicos ocupados passou a ser realizada sem a necessidade do aval da Justiça. O destino dos estudantes após a entrada da polícia? Na lógica truculenta da SSP-SP só poderia  ser a delegacia (FSP, 13.05.2016).

Defesa da redução da maioridade penal

Vale destacar que, em 2002, Moraes esteve à frente da Secretaria de Justiça de São Paulo, também no Governo Alckmin. À frente da FEBEM (atual Fundação Casa), Moraes tentou implementar uma série de mudanças, mas não obteve sucesso. Enfrentou uma onda de fugas e deixou um passivo trabalhista milionário, após afastar centenas de funcionários – boa parte acusada de tortura, mas readmitida depois de sua saída.

Sobre a experiência, afirmaria: “infelizmente, esse grupo que eu mesmo coloquei não deu certo. Esses diretores não atuaram como uma equipe. Cada um agiu de forma diferente, implantando sua própria filosofia” (FSP, 12.05.2005).

Foi durante a sua gestão que o governador tucano encaminhou ao Congresso uma proposta polêmica: a ampliação da punição de menores envolvidos em crimes graves na instituição.

A tentativa notória de endurecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) abrangia a extensão da pena a menores envolvidos com atos infracionais praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, ou seja, 4.465 dos 6.705 adolescentes internados na época.

O projeto também defendia a transferência do interno para um presídio, assim que ele completasse 19 anos (FSP, 23.11.2003). Em 2015, por conta das discussões sobre a redução da maioridade penal, a proposta voltou à baila (FSP, 22.04.2015).

Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, agora, passa a ter o poder de nomear o comando da Polícia Federal, órgão vinculado à Pasta da Justiça.

Fonte: Carta Maior / Tatiana Carlotti

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