O suicídio de uma funcionária da maior agência de publicidade do Japão gerou nova onda de debates sobre as mortes relacionadas ao excesso de trabalho naquele país.
Há meses Matsuri Takahashi, uma funcionária da Dentsu, vinha fazendo mais de 100 horas extras mensais, e relatava nas redes sociais uma rotina exaustiva de pressão no trabalho e poucas horas de sono.
Em dezembro de 2015, Matsuri pulou do alto do dormitório da Dentsu, onde morava.
O caso veio à tona apenas oito meses depois, quando uma investigação do governo federal enquadrou seu suicídio como mais um episódio de “karoshi” – termo cunhado pelos japoneses para designar as mortes causadas por jornadas extenuantes.
Para o presidente da Sociedade Japonesa de Pesquisa em Karoshi, Koji Morioka, uma das principais causas dessa realidade são as leis trabalhistas japonesas. Elas permitem que empresas e sindicatos negociem horários de trabalho para além do limite legal de oito horas por dia – justamente uma das mudanças que o governo Temer quer implementar no Brasil.
Em entrevista à Repórter Brasil, Morioka alerta: “se o governo e o parlamento brasileiros fizerem reformas que permitam jornadas prolongadas, as horas extraordinárias serão em breve mais longas, e as mortes por excesso de trabalho aumentarão”.
A jornada de trabalho é um deles, ficando apenas limitada a um patamar máximo de 220 horas mensais. Não há, por exemplo, a previsão de um limite diário para as horas trabalhadas. Tampouco está claro como seriam contabilizadas as horas extras.
No Japão, foram registrados 1.456 pedidos formais de indenização por karoshi nos doze meses anteriores a março de 2015. Trabalhadores nas áreas da saúde, assistência social e construção civil estão entre os maiores atingidos.
Como mudar essa realidade? Para o pesquisador, ao invés do Brasil seguir o exemplo japonês, o Japão é que deveria adotar parâmetros similares aos previstos na lei brasileira: jornada regular de oito horas e acrescidas de, no máximo, duas horas extras por dia.
As mortes incluem não só “karoshi” no sentido estreito, que são as mortes por doenças cerebrais e cardíacas. Há também os casos de “karojisatu” – suicídios ligados a doenças mentais provocadas pelo excesso de trabalho e pelo estresse no trabalho. Não há estatísticas oficiais exatas do número de óbitos. Geralmente, utilizamos dados do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar sobre os pedidos de indenização relacionados aos falecimentos por trabalho excessivo. Esses números, no entanto, são só a ponta do iceberg. Muitos familiares desistem de solicitar compensação quando se deparam com karoshi e karojisatsu.
De acordo com o Ministério, os pedidos de indenização por doenças cerebrais e do coração duplicaram entre 1999 e 2007. Já os casos relacionados a doenças mentais se multiplicaram por dez de 1999 a 2015. Os episódios de karojisatsu afetam principalmente trabalhadores jovens, entre 20 e 30 anos. O aumento dos casos reflete a frequente ocorrência de assédio moral nos ambientes de trabalho japoneses, além do estresse e do excesso de trabalho.
Quase uma em quatro empresas admitiram, em uma pesquisa recente englobando 1.743 companhias, que parte de seus funcionários fazem mais de 80 horas de horas extras mensais [limiar adotado pelo governo japonês onde a perspectiva de morte torna-se passível de qualificada como karoshi].
De acordo com as leis japonesas, se os empregadores assinam um acordo com um sindicato organizado pela maioria dos trabalhadores, ou mesmo com uma pessoa que represente essa maioria, as jornadas laborais podem ser estendidas ilimitadamente. O Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar estabelece limites para as horas extras – 15 horas por semana, 45 horas por mês e 360 horas por ano [assim como no Brasil, a jornada normal japonesa é de oito horas diárias]. Mas essas diretrizes não são obrigatórias. Os acordos sobre horas extraordinárias têm isenções especiais que permitem aos empregadores exigir horas extras ilimitadas.
A maioria das grandes corporações possui acordos permitindo mais de 80, 100 ou até 150 horas extras mensais. Ou, ainda, mais de 800 ou 1.000 horas extras por ano. Algumas empresas têm acordos sancionando 15 horas extras por dia. Isto significa 24 horas de trabalho seguidas – as oito horas normais acrescidas de 15 horas extraordinárias e de uma hora de intervalo.
As horas extras – incluindo casos em que elas não são remuneradas como tal – são o motivo mais óbvio para as longas jornadas de trabalho no Japão. Desregulamentações no controle de jornada foram frequentes nos últimos 30 anos. A globalização, a informatização e a “financeirização” da economia também tiveram um grande impacto na ampliação das horas trabalhadas.
Em um primeiro momento, deveríamos demandar o cumprimento obrigatório dos limites de horas extras máximos estabelecidos pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar. E então, num futuro próximo, deveríamos alterar a lei para restringir horas extras a duas por dia, oito por semana e 150 horas por ano.
Nas relações dentro de uma empresa, o capital é sempre mais forte do que o trabalho. Se o governo e o parlamento brasileiros fizerem reformas que permitam jornadas prolongadas, as horas extraordinárias serão em breve mais longas, como ocorreu no Japão, e as mortes por excesso de trabalho, incluindo os suicídios, aumentarão.
Fonte: André Campos / Repórter Brasil
INTERSINDICAL – Central da Classe Trabalhadora
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