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Paulo Bearzoti Filho | Um golpe, duas facções

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  • Paulo Bearzoti Filho*

Amplia-se divisão no governo — entre os que exigem medidas antipopulares e o grupo fisiológico. Disputa é promissora, mas também perigosa. Ela ressuscita o espectro de 1964

Governo interino, plano de longo prazo

Recessivo, privatista, insensível aos parcos direitos sociais duramente conquistados nos últimos 25 anos, o pacote de medidas econômicas e fiscais anunciado em 24 de maio pelo sorridente ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chama a atenção, entre outras razões, pela presunção de longo prazo.

“Tem que ficar claro que não pode ser mera declaração de intenção, de vontade, ou medida de curto prazo”, sentenciou, ainda um dia antes do anúncio das medidas, o ministro da Fazenda em sua participação (ao lado do juiz federal Sérgio Moro) no evento “O Brasil que temos para o Brasil que queremos”, organizado pela revista Veja. Meirelles frisou que desejava “sinalizar que a ações a serem tomadas pelo governo não são um fim em si mesmas”, mas “um meio, a rigor o único” de combater o desemprego, devolver confiança aos empresários e “garantir que em cinco, dez ou quinze anos os nossos aposentados receberão seus benefícios”.

Além da desenvoltura típica daqueles que se veem como senhores ancestrais de um Estado para cuja administração não precisam ser eleitos, a fala do ministro exala uma intrigante confiança. Afinal, o que lhe confere tanta segurança de que suas medidas irão vigorar por mais de uma década?

De 1964 para 1968

Os fatos políticos relacionados ao impeachment de Dilma Rousseff por vezes nos induzem a comparações com o processo que instaurou a ditadura de 1964.

A gravidade histórica daquele evento não foi imediatamente percebida por todos. Era corrente, por exemplo, a impressão de que se tratava de uma intervenção passageira. Apesar das dezenas de cassações, das prisões arbitrárias, dos primeiros exilados, do fechamento de sindicatos, da perseguição de lideranças populares e mesmo da tortura, o fato é que, durante certo período, o ambiente político refletiu essa ilusão. Castelo Branco ainda declarava, em seu discurso de posse, que passaria a faixa presidencial em 31 de janeiro de 1966. Os partidos não foram imediatamente dissolvidos, houve eleições para governador em 1965, e não faltava mesmo quem se apresentasse como candidato à sucessão de Castelo.

Não se depõe, entretanto, um presidente da República para permanecer apenas um ano e pouco no poder. Os golpistas de 1964 dispunham de programa político determinado, bem como de disposição e apoio necessário para implantá-lo. Permaneceram no poder e, com o tempo, eliminaram os inimigos políticos externos e internos que pudessem obstaculizar esse programa. Entre esses, contavam-se não apenas ativistas populares, governantes populistas ou militantes socialistas, mas também políticos centristas e moderados, e mesmo aqueles que, com maior ou menor ingenuidade, sustentaram o golpe, julgando tratar-se de um procedimento “cirúrgico” e efêmero, como era o caso de grandes parcelas da classe média, além de antigos presidentes ou governadores, como Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Adhemar de Barros e Juscelino Kubitschek.

Fisiológicos e ideológicos: disputa interna no governo interino

Os golpistas de 2016 têm também um programa político? Ou são simples usurpadores que, dando-se conta de suas evidentes limitações eleitorais, aproveitaram-se da fragilidade de um governo impopular para, sem maiores pretensões que o exercício do mando e o usufruto de suas mordomias, obter o poder que, de outra forma, não lhe seria franqueado?

Sem dúvida, todos eles concordam que se deveria depor Dilma Rousseff. O sentido, porém, do que aconteceu e os rumos futuros possivelmente constituem aspectos de menor clareza e muito menor consenso.

Apesar das convergências, o período de interinidade do presidente Temer dá mostras de que este é um “governo em disputa”, dentro do qual se opõem setores puramente “fisiológicos” a outros mais propriamente “ideológicos”. Para os primeiros, o impeachment foi apenas a forma de atingir os almejados cargos do Executivo federal. Os segundos, contudo, têm motivações mais complexas.

Podemos identificar os fisiológicos, por exemplo, entre aqueles que também se beneficiaram dos governos petistas. Entre muitos outros, figuram nessa lista: os ministros Gilberto Kassab, Luís Eduardo Alves e Leonardo Piccianni; o presidente da Caixa Econômica Federal, ex-ministro (em duas pastas distintas), Gilberto Occhi; o ex-ministro e senador Romero Jucá, sucessivamente líder dos governos FHC, Lula e Dilma.

No âmbito parlamentar, estão organizados principalmente no novo “centrão”, bloco com 218 deputados federais, correspondentes a 42% das cadeiras da Câmara. Segundo matéria da Folha de S. Paulo de 12 de junho, o grupo, “formado por PP, PR, PSD, PTB, PRB, SD, PTN e outras seis siglas menores”, constitui “a força política mais importante da Casa e trabalha para comandá-la nos próximos anos”. Consolidado nos últimos dois anos, o centrão ainda reflete a expressiva influência do presidente afastado, Eduardo Cunha. Neste início de governo interino, demonstrou poder de articulação, por exemplo, na aprovação do megapacote de reajuste do funcionalismo público e, sobretudo, ao impor André Moura (PSC-SE) como líder do governo na Câmara, a despeito da resistência do Planalto, que desejava um nome menos ligado a Cunha.

Ao lado desses setores, entretanto, há outros movidos por interesses mais programáticos. Pode-se incluir nesse grupo: o ministro das Relações Exteriores e Comércio Exterior, José Serra; o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes; o ministro chefe da ressuscitada Secretaria de Segurança Institucional, general Sérgio Echegoyen; o líder do governo no Senado, senador pelo PSDB de São Paulo, Aloysio Nunes Ferreira; o presidente da Petrobras, Pedro Parente; o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn. Não são muitos, é verdade; não deixam, porém, de ser influentes e poderosos.

A eles podemos agregar representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público. É o caso, principalmente, do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, e do grupo da República de Curitiba, ou seja, o juiz federal Sérgio Moro e os procuradores da Força-Tarefa encarregada da Operação Lava Jato. Não compõem, obviamente, o governo interino, mas, até certo ponto, parecem atuar em sintonia com o programa ideológico. Os inexplicados “vazamentos” de processos sob sigilo de justiça, por exemplo, inserem-se sempre no jogo político. A condução coercitiva do ex-presidente Lula, em 4 de março, animou a manifestação em favor do impeachment programada para 15 de março, que até então parecia esvaziada. A revelação, pelo juiz Moro, dos telefonemas grampeados de Lula, Dilma e outras autoridades do governo anterior coincidiu com a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil, obstaculizando-a. Ainda agora, também tiveram impacto político as gravações de Sérgio Machado e o vazamento dos pedidos de prisão, pela PGR, de Jucá, Cunha, Renan e Sarney

Entre os fisiológicos e os ideológicos, há casos intermediários: o próprio Michel Temer, duas vezes eleito vice-presidente na chapa encabeçadas por Dilma; o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, presidente do Banco Central nos dois mandatos do presidente Lula; o ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Moreira Franco, atual secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Não deixam de apresentar marcas fisiológicas, mas não podem ser simplesmente reduzidos a elas. Com rigor, estão entre aqueles que concentram em si o próprio caráter de ambíguo do governo interino.

Bastante evidente nas organizações de esquerda, a disputa interna é igualmente relevante para os liberais e os conversadores. Também para estes, contradições internas, e não apenas as influências exteriores, podem efetivamente determinar aspectos essenciais de suas escolhas políticas.

Programa liberal-elitista

Em linhas gerais, sem prejuízo para outros aspectos aqui não contemplados, a plataforma dos setores ideológicos do governo Temer prevê:

  • ajuste fiscal estrutural, com diminuição dos gastos sociais;
  • privatização integral ou parcial de dezenas de empresas estatais, acompanhada da abertura da exploração do pré-sal para transnacionais estrangeiras;
  • reforma da Previdência Social e reforma trabalhista, que diminua direitos e enfraqueça os sindicatos;
  • monitoramento, repressão e criminalização crescente dos movimentos sociais;
  • alinhamento maior com a política externa dos Estados Unidos, com consequente distanciamento em relação a governos latino-americanos progressistas (Venezuela, Equador, Bolívia, Cuba) e aos países dos Brics.

Trata-se, em suma, de um programa liberal-elitista, cujo modelo ideal são os Estados Unidos, mas cujo modelo realmente possível é a República Velha.

Golpe dentro do golpe?

Impopular e entreguista, esse programa encontraria evidentes obstáculos para sua concretização em governos democraticamente eleitos.

Por sua própria natureza, os fisiológicos nem o apoiam nem o condenam. Agrada-lhes, naturalmente, o caráter conservador e “elitista” do modelo, mas não se enquadram bem com a rigidez que ele impõe. Movem-se, além disso, pela busca incessante de poder, e o programa liberal-elitista não é o que mais seduz o eleitorado.

Comenta-se, inclusive, que os oportunistas se aliaram aos ideológicos na convicção de que, removido o governo petista, poderiam aplacar a ira punitiva dos fundamentalistas de Curitiba. “Gostamos de você, Lula” – imagina-se o diálogo – “mas hoje, infelizmente, você não pode nos entregar aquilo de que realmente necessitamos: enquanto o PT estiver no poder, a Lava Jato não acaba e é por isso que, um pouco a contragosto (não é a verdade que a traição seja excitante), votaremos pelo afastamento da Dilma (que, com aquela mania de planilhas e aquelas broncas todas contra a incompetência, nunca foi uma das nossas, afinal de contas)”.

Essa postura não deixa de produzir constrangimentos.

Já naquele notável domingo, 17 de abril, a opinião pública levou um choque de realidade com os tragicômicos discursos com que a maioria dos deputados federais ornamentou seus votos favoráveis ao impeachment.

Um mês depois, em seus primeiros dias, o governo interino se viu às voltas com demissões frequentes de ministros, recorrentes desmentidos e mudanças de opinião. Assistiu à reação francamente refratária de artistas, cientistas e intelectuais. Teve de explicar a completa ausência de mulheres em seu primeiro escalão, a audiência concedida pelo ministro da Educação a um notório ator de filmes de sexo explícito, os generosos aumentos salariais com que o Congresso temperou o discurso de austeridade fiscal.

O próprio juiz Sérgio Moro, em seu já citado artigo sobre a Operação Mãos Limpas, comenta, desapontado, que todo o esforço do Judiciário italiano resultou inútil quando, após milhares de prisões e processos, os setores fisiológicos, por meio de um grande “acordão” político, retomaram o controle da situação e fizeram voltar a antiga situação de predomínio da corrupção sistemática. Os procuradores da Força Tarefa de Curitiba também voltam frequentemente a esse tema.

Eis, em suma, o dilema dos ideológicos: para chegar ao poder, precisaram compor com amplos setores fisiológicos; rompendo com eles, condenam-se ao isolamento no Congresso e arriscam-se mesmo à volta de Dilma; mantendo a aliança, porém, perdem credibilidade junto à opinião pública mais esclarecida, bem como aos olhos de seus apoiadores e investidores corporativos, no Brasil e no exterior, comprometendo a própria execução do programa liberal-elitista.

Qual a opção? Desistir do programa? Aderir aos oportunistas? Pode ser. A derrota dos ideológicos, afinal, não é um desfecho impossível. O mais provável, porém, é que as dificuldades tencionem o processo do golpe, de tal maneira que ele tenda a uma nova etapa.

Como em 1965 e 1969, a alternativa dos ideológicos poderá ser a fuga para frente, ou seja, o aprofundamento da estratégia golpista, voltada, agora, contra o inimigo interno. Vencidos os subversivos, chegou a vez dos canalhas. Primeiro com Goulart e Luís Carlos Prestes; depois com Jânio Quadros e Adhemar de Barros. O golpe dentro do golpe.

Quem está vencendo a disputa interna no governo interino

O governo interino, não resta dúvida, tem sido pródigo em concessões aos fisiológicos. O notável déficit de R$ 170 bilhões em 2016, por exemplo, viabilizou a aprovação, na madrugada de 2 de junho, de aumentos salariais para funcionários dos três poderes, em geral os de renda mais alta, com destaque para a elevação do teto de remuneração no serviço público, que beira agora os R$ 40 mil, com provável repercussão para os proventos de deputados e senadores.

Apesar dessa fachada, todavia, os oportunistas têm colhido algumas derrotas amargas. A primeira é a instabilidade da equipe ministerial. Em três semanas, escutas realizadas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado levaram o governo a demitir Fábio Silveira, do emblemático Ministério da Transparência, e, sobretudo, a promover a desmoralizante queda do ministro Romero Jucá, personagem de vários escândalos e investigado pela Lava Jato. Ainda agora encontram-se ameaçados o advogado-geral da União, Fábio Osório, a secretária nacional de Mulheres, Fátima Pelaes, e o já mencionado ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves [que caiu antes da publicação da matéria…].

Mais recentemente, tem-se dado a perseguição jurídica e policial das principais lideranças do PMDB, tirante o presidente interino. O clímax desse processo iniciou-se em 8 de junho, quando um estranho “vazamento” tornou pública a intenção do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em pedir, com base nas gravações de Sérgio Machado e talvez em outras provas, a prisão não apenas de Eduardo Cunha e Romero Jucá, mas também do presidente do Senado, Renan Calheiros, e do ex-presidente da República, José Sarney.

Não foram, naturalmente, os atuais oposicionistas que enredaram Romero Jucá, incentivaram Sérgio Machado a ligar o gravador, insuflaram o STF a suspender o mandato de Eduardo Cunha, muito menos convenceram Janot a pedir a prisão dos “quatro do PMDB” ou vazaram essa informação à imprensa.

Em todos esses casos, tratou-se sempre de fogo amigo.

Oportunistas empresariais

Observe-se, de passagem, que o combate aos oportunistas, embora recaia essencialmente sobre o mundo político, iniciou-se, na realidade, na área empresarial, com a perseguição jurídica e financeira aos grupos que compuseram com o petismo e financiaram suas campanhas eleitorais, destacadamente as corporações transnacionais que atuaram em sintonia com o subimperialismo esboçado nos mandatos do presidente Lula.

Enquadram-se nesse caso empresas como OAS, Queirós Galvão, UTC, Camargo Correia, Andrade Gutierres e – símbolo maior do lulo-empresariado bem-sucedido – o Grupo Odebrecht, com suas muitas ramificações nacionais e internacionais, não apenas na construção de obras públicas, mas também em setores estratégicos, como a petroquímica e os combustíveis.

Todos acabaram nas garras da Operação Lava Jato, do juiz Sérgio Moro e da Força Tarefa de procuradores da República de Curitiba. Motivada também pelos ciúmes do empresariado paulista (a Odebrecht é baiana), o fato é que a criminalização das construtoras transnacionais brasileiras constitui um caso ímpar de disposição de cortar na própria carne, de extirpar as maçãs podres da burguesia.

A volta dos subversivos

O eventual fechamento do processo democrático atual teria, entretanto, de apresentar outro objetivo, além da neutralização dos setores fisiológicos que compõem o próprio governo interino. Para ser efetivo, o pretexto para sua consumação poderia combinar duas táticas.

De um lado, alerta-se para a necessidade de concluir o combate à corrupção sistêmica, ante o risco de um “acordão” político espúrio liderado pelos oportunistas. Na outra ponta, denuncia-se a crescente subversão interna supostamente promovida por agrupamentos políticos radicais, que, inconformados com a perda da influência de que gozariam no governo deposto, demagogicamente negam a legitimidade do impeachment, ameaçando, desse modo, a estabilidade das instituições democráticas e mesmo a atuação autônoma do Poder Judiciário.

Aqui, novamente, o paralelo se dá com a ditadura de 1964.

No final dos anos 1960, ante a persistência da crise econômica, enquanto ainda não se consolidava o milagre brasileiro, o governo Costa e Silva viu-se pressionado em duas frentes. Na oposição moderada, esboçava-se a chamada Frente Ampla, fruto do inusitado compromisso político entre João Goulart, Juscelino e Carlos Lacerda, que unificava democratas, socialistas moderados, populistas e golpistas arrependidos: representava, na visão dos generais, o complô dos fisiológicos. Mais à esquerda, crescia a atuação clandestina e revolucionária de pequenas organizações desmembradas do PCB e da Polop, bem como algumas mobilizações de massa de jovens e de operários, ao sabor do Maio de 68 francês: eram os inimigos internos.

Somados, os dois campos serviram de mote para que a ditadura, no dizer do ex-ministro Jarbas Passarinho, mandasse “às favas todos os escrúpulos de consciência” e, em 13 de dezembro de 1968, promulgasse o Ato Institucional número 5, completando, assim, a instauração do sistema autoritário que lhe permitiria a plena realização do programa em nome do qual os ideológicos de então empreenderam o golpe de 1964.

Embora bastante distinto, o cenário atual também apresenta a possibilidade desse duplo desgaste.

No campo político, esboça-se, ainda de forma embrionária, a possibilidade de negação, pelo Senado, da consumação do impeachment, abrindo a perspectiva de volta da presidente Dilma, com o compromisso de, tão rapidamente quanto possível, convocar novas eleições presidenciais antes de 2018. Alertados pela continuidade da crise e do desemprego, atentos à impopularidade do pacote fiscal de Meirelles e, sobretudo, alarmados pelo prosseguimento da Lava Jato, muitos dos fisiológicos poderiam aderir a essa proposta, fortalecendo a possibilidade concreta de término da janela de oportunidade representada pelo governo Temer. Mesmo que não o façam, podem cobrar cada vez mais caro pelo seu apoio, exigindo um rol crescente de concessões e relutando em votar a favor de medidas impopulares como a reforma trabalhista e a previdenciária, o que acabaria por comprometer os fundamentos do programa liberal-elitista.

Além disso, dado o fraco desempenho dos candidatos tucanos nas sondagens mais recentes, não está claro como os fisiológicos pretendem se comportar nas eleições presidenciais de 2018. Com todo o desgaste provocado pelo impeachment de Dilma, Lula ainda lidera para o primeiro turno, e o senador Aécio Neves chegou mesmo a experimentar queda de 10 pontos percentuais em poucos meses. Contra Lula, a opção hoje mais viável seria a pouco confiável ex-senadora Marina Silva. E existe ainda a possibilidade de crescimento de Ciro Gomes, à esquerda, e de Jair Bolsonaro, à direta. Não se trata, em todos os cenários, de uma perspectiva exatamente animadora.

No campo popular, a crescente insatisfação, ainda um tanto difusa, contra as trapalhadas e contradições do governo Temer e sua incapacidade de debelar rapidamente a crise econômica, poderia favorecer certo avanço das manifestações de massa e a consequente radicalização da intervenção política de movimentos sociais como o MST, o MTST, a CUT, a UNE e, em menor grau, de grupos políticos à esquerda da direção petista, como o PSOL e, de certo modo, o PCdoB e algumas tendências internas do próprio PT.

Como nos anos 1960, essa convergência de dificuldades político-eleitorais com o acirramento das manifestações populares poderá aguçar os setores ideológicos, para que, em nome da consolidação de seu programa, mantenham o poder político, mesmo que às custas de alguns eventuais escrúpulos de consciência.

Efeitos de longo prazo

Se os ideológicos lograrem cassar o registro partidário do PT, inviabilizarem a candidatura de Marina Silva, desmobilizarem, por bem ou por mal, as organizações populares, enquadrarem os oportunistas e lançarem efetivamente as bases para o programa que, segundo eles próprios admitem, demanda no mínimo dez ou quinze anos para sua implementação – então, evidentemente, teremos assistido, a partir de 2016, ao início de um processo análogo ao que, deflagrado em abril de 1964, realizou-se plenamente apenas em dezembro de 1968.

Mas, mesmo se o golpe não puder prosseguir, se Dilma voltar ou houver eleições antecipadas, e Temer e os membros do governo interino tiverem de se recolher ao ostracismo político, mesmo assim isto que estamos vivendo em 2016 passará para a história não como uma derrota completa, mas com as características que hoje atribuímos, por exemplo, à tentativa de impedir a posse de Juscelino e interromper o processo democrático, em novembro de 1955. Um gesto fracassado, é verdade, mas preparatório para uma ação futura.

Num caso ou no outro, não será algo passageiro. Marcará o Brasil pelas próximas décadas. Qual a marca, dependerá, naturalmente, da organização e da determinação deles, mas, sobretudo, da nossa organização, nossa disciplina, nossa firmeza e coerência programática, nossa disposição de tecer conexões externas e preservar a unidade interna.

*Paulo Bearzoti Filho é coordenador do MTST do Paraná.

Fonte: Outras Palavras.net

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