No dia 13 de julho de 2017, há um ano, foi promulgada a Reforma Trabalhista (LEI Nº 13.467/2017), uma legislação que desmontou a estrutura de direitos do trabalhador que vigorou no país por 74 anos.
Como explicar a aprovação de uma Reforma Trabalhista, que após um ano de vigência, não apresentou nenhum dos resultados anunciados por seus defensores? Não é possível responder sem compreender que a ruptura com a estrutura dos direitos trabalhistas estabelecidos na CLT (Decreto- Lei N.º 5.452, de 1º de Maio de 1943) não foi outra coisa senão um grande sistema de falácias, produzidas sistematicamente pela mídia para induzir ao engano da sociedade brasileira.
Falácia, é um artifício, pelo qual alguém usa de determinadas proposições falsas com o intuito de produzir uma conclusão enganosa, mesmo com aparência de verdadeira. Os argumentos que sustentaram a Reforma Trabalhista utilizaram necessariamente do expediente da falácia para legitimar as posições de interesses bastante mesquinhos. Isso porque as alterações da CLT não poderia ser socialmente aceitas pelas razões que realmente possuem, uma razão ligada aos interesses imediatistas de uma fração do empresariado.
A seguir, apresentamos três falácias desmascaradas pelos fatos, após um ano de vigência da nova legislação trabalhista.
O fato de alguma ideia ou proposta ter sido apresentada hoje não quer necessariamente dizer que esta mesma ideia seja nova ou moderna.
Modernizar qualquer coisa significa um processo de racionalização com vista a ampliação do controle dos seres humanos (entendidos como seres portadores de direitos) sobre a atividade e o tempo. Modernizar significa uma ampliação constante de direitos, uma diminuição de esforço físico, um maior controle dos processos de trabalho, aumento da liberdade (ou autonomia) em relação à necessidade, isso para usar um referencial estritamente iluminista.
Então, em qual campo a Reforma Trabalhista modernizou as relações de trabalho? A desvinculação do trabalhador do seu local de trabalho (trabalho intermitente) amplia sua incompreensão sobre a atividade que executa, lhe distanciando do conhecimento racionalizado sobre o processo de trabalho. A ampliação de fato da jornada de trabalho aumenta o esforço físico, aumenta a taxa de acidentes, e em nada tem haver com o maior satisfação do ser humano em relação ao trabalho que executa. A subordinação do direitos trabalhistas aos pressupostos do direito civil enfraquece a Justiça Trabalhista, o que na prática funciona como mecanismo de bloqueio ao acesso à justiça, não corresponde portanto a uma ampliação dos direitos dos seres humanos, conquistados pela modernidade.
A Reforma Trabalhista não modernizou as relações trabalho, na realidade as regrediu a um estado pré-moderno.
Os defensores da Reforma Trabalhista indicavam que o desemprego era consequência do excesso de direitos dos trabalhadores, o que ampliava os custos e a burocracia em torno do trabalho formal. Segundo este argumento, retirar direitos significaria diminuir custos de contratação e com isso ampliar os empregos formais.
O pressuposto falso desta falácia está na ideia que o desemprego está relacionado ao suposto excesso de direitos e não a contração da economia diante da crise econômica e o processo de concentração de capital nos circuitos especulativos, em detrimentos dos circuitos da produção.
Após um ano de Reforma Trabalhista, não ocorreu retomada do emprego, pelo contrário, ocorreu ampliação do número de desempregados que chegam a 23 milhões em 2017. Deste montante 5 milhões passaram a trabalhar por conta própria e ter remuneração média 33% abaixo daquela recebida nas ocupações formais anteriores, e 77% deles não possuem CNPJ nem contribuem para a Previdência Social, segundo dados do Dieese.
A retirada de direitos implica em redução da massa salarial, redução do consumo e por consequência depressão da atividade econômica e do investimento, sem crescimento econômico não há ampliação de postos de trabalho.
Desta forma a desregulamentação da atividade laboral só pode causar o agravamento do desemprego, e não o contrário.
Segundo os defensores da Reforma Trabalhista, o contrato de trabalho é como um contrato civil, no qual as duas partes devem ser tratadas de maneira idêntica. Ou seja, padrões e empregados são iguais. Diante disso, não existiria razão para proteção legal dos trabalhadores e mesmo a própria existência da Justiça do Trabalho.
A Reforma Trabalhista estabelece que as convenções e acordos coletivos, produto da negociação entre patrões e trabalhadores, pode prevalecer sobre os direitos instituídos por lei, em outras palavras “a prevalência do negociado sobre o legislado”.
A falácia encontra-se na ideia que é possível existir isonomia entre pessoas que ocupam papéis completamente diferentes na relação de trabalho. Os patrões não apenas dispõe de mais recursos de negociação do que os trabalhadores, como também são auxiliados pela forte oferta de força de trabalho devido ao desemprego, podendo com isso estabelecer os termos das contratações e negociações. Sem alternativa os trabalhadores decidem entre trabalhar nas condições que lhe são impostas pela necessidade ou viver na indigência. O papel do estado é mediar das relações desiguais e intervir no sentido de proteger os hipossuficientes (a parte mais frágil da relação).
A Reforma estabeleceu que o trabalhador que ingresse com ações na Justiça do Trabalho arque com as custas processuais caso perca a causa. Após um ano de vigência da nova legislação, o número de novos processos caiu 46%, um decrescimento diretamente relacionado ao medo da derrota judicial, fato que inibe acesso à Justiça mesmo quando as ações são absolutamente cabíveis. Ou seja, a Reforma Trabalhista restringiu o direito fundamental ao acesso à Justiça gratuita pelo hipossuficiente.
Em síntese, temos uma situação de profunda desigualdade na relação de trabalho que acaba por produzir uma desigualdade no tratamento judicial, porém sendo sustentada por um discurso de isonomia.
O trabalhador encontra-se portanto em capacidade de negociação devido ao desemprego, sem capacidade de assegurar ou ampliar direitos, pois a negociação vale mais que a lei, e nos caso onde a lei prevalece ele não acessa pelo termo de perder a causa e ser obrigado a pagar as custas da própria ação que promoveu.
Após um ano de vigência da Reforma Trabalhista a realidade se impõe sobre as falácias, não vivemos em um país institucionalmente mais modernos, mas em relações laborais mais arcaicas; não vivemos um país com mais empregos, mas convivemos com mais de 20% da PEA (População Economicamente Ativa) desempregada; e não temos relações mais iguais em patrões e empregados nos locais de trabalho, mas a supremacia absoluta dos primeiros sobre os últimos, sem mediações judiciais ou proteção pública.
Por isso não há justiça, democracia ou estabilidade política em um cenário onde a falácia prevalece sobre os fatos. A revogação completa da Reforma Trabalhista não é apenas a retomada um tema do mundo do trabalho, mas uma base pela qual se pode reconstruir uma ordem democrática.
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Texto: Pedro Otoni / Assessoria de Comunicação da Intersindical
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